Herdeiro de filial da Globo mata agente de trânsito e fica impune
Assassinato provocou indignação neste fim de semana não apenas pelo crime em si, mas pela impunidade que ainda paira sobre os poderosos. Isto porque Rodolpho Carlos da Silva, filho de magnata da indústria alimentícia, neto de ex-vice-governador e herdeiro de filial da Globo continua em liberdade
Um crime que ocorreu na madrugada do último sábado (22), em João Pessoa, capital da Paraíba, gerou indignação na população local e ganhou repercussão na imprensa nacional.
O empresário Rodolpho Carlos Silva dirigia um carro de luxo, marca Porsche, quando passou por uma blitz da Lei Seca, por volta das 2h da manhã.
Ele não apenas descumpriu a ordem de parada dada pelo Departamento Estadual de Trânsito da Paraíba (Detran-PB), como também passou por cima do agente de trânsito Diogo Nascimento de Souza, de 34 anos. O funcionário do Detran chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital. A vítima teve politraumatismo.
Rodolpho fugiu, mas a placa do automóvel (PBX-0909 – Brasília – Distrito Federal) caiu no local e foi recolhida pela equipe. Imagens que circulam nas redes sociais mostram o quanto o para-brisa ficou danificado por causa do atropelamento.
O estado do equipamento, bem como imagens de câmeras de monitoramento instaladas próximas ao acidente, vão ajudar os peritos a estimar a velocidade em que o carro era conduzido.
Um vídeo gravado por câmeras de segurança da área mostra um carro trafegando em alta velocidade e que seria o mesmo que atropelou o agente.
Pedido de prisão
Rodolpho teve prisão preventiva decretada na noite de sábado pela juíza Andréa Arcoverde, do 1º Juizado Especial Misto.
Na decisão que pede a prisão temporária de Rodolpho, a magistrada destaca que a detenção é de extrema relevância para elucidação do crime e apuração da participação do suspeito.
“Em verdade, o acusado evadiu-se do local do crime sem prestar socorro à vítima, demonstrando a intenção de furtar-se a sua responsabilidade penal pelos fatos praticados. Além do mais, o acusado, em liberdade, poderá destruir provas, dificultando o esclarecimento do crime”, frisou a juíza.
Impunidade
No entanto, cerca de seis horas após a decisão da juíza, o desembargador Joás de Brito, futuro presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, mandou soltar o empresário às 3h da manhã, antes mesmo do mandado de prisão ser cumprido. Rodolpho ainda não havia sido localizado pela polícia.
De acordo com o desembargador, os advogados do suspeito apresentaram petição ao delegado que investiga o caso informando que Rodolpho Gonçalves Carlos da Silva iria se apresentar à Justiça nos próximos dias.
Com isso, para o desembargador, foi mostrado que o suspeito não tinha intenção de foragir, mas de colaborar com esclarecimentos.
Curioso é que o mesmo desembargador Joás de Brito, em caso muito semelhante, tomou uma decisão diferente. Em 2013, o magistrado negou pedido para libertar João Paulo Barbalho Inácio da Silva, preso, na época, acusado de ter provocado acidente de trânsito que culminou em morte.
“Inexistentes os requisitos exigidos para a concessão da liminar, é de ser esta indeferida”, ressaltou Joás de Brito naquele ano.
Cobertura da mídia
Na Paraíba, quase todos os veículos de comunicação, pressionados pela população, estão fazendo uma cobertura honesta do caso — exceto os canais vinculados ao grupo Globo, como o portal de notícias G1 e os telejornais locais da emissora.
Para se ter uma ideia, o portal G1 sequer citou o nome de Rodolpho em suas primeiras matérias sobre o assassinato.
“Carro fura bloqueio e atropela agente da lei seca em João Pessoa”, dizia o título da primeira nota. Depois de diversas críticas, a redação mudou o título para “Motorista atropela agente da Lei Seca em João Pessoa“, ainda sem citar o nome do acusado.
Revolta
Depoimentos críticos sobre tudo o que envolveu o caso alastraram-se nas redes sociais, em grupos de WhatsApp e nas caixas de comentários dos portais de imprensa do Estado.
“Vocês achavam mesmo que um sujeito que dirigia um porsche seria preso? Só quem tem vez no Brasil é quem tem muita grana para ‘comprar’ favores”, publicou um internauta.
“Por que um desembargador acorda às 3h da madrugada para soltar um jovem que passou por cima de um agente de trânsito? Será que é porque as prisões estão lotadas e seria perigoso colocar o queridinho por lá? Ou talvez porque a família do ‘motorista desatento’ é dona do mais poderoso grupo midiático?”, questionou outro.
“Os amiguinhos deste Rodolpho costumam dizer, em alto e bom som: ‘bandido bom, é bandido morto’. E agora? Eis a prova de que a palavra ‘bandido’ só se aplica a preto e pobre”, desabafou uma usuária.
Delegado
De acordo com o delegado Marcos Paulo, que cuida do caso, o suspeito deve ser indiciado por homicídio doloso (quando há intenção de matar).
Para o policial, o motorista “quis passar por cima de Diogo, de acordo com provas e relatos colhidos até o momento”.
Rodolpho Carlos Silva
Rodolpho Carlos está ligado a um poderoso grupo econômico no Nordeste. Ele é filho do magnata paraibano dono do Grupo São Braz, que é um dos maiores produtores de café torrado do país.
O jovem é neto de José Carlos da Silva, ex-vice governador da Paraíba. Além do conglomerado de indústrias alimentícias, a família também é dona de empresas de comunicação locais — incluindo TV afiliada da Rede Globo no Estado.
Paralisação
Servidores de órgãos ligados à fiscalização de trânsito realizaram protesto na manhã desta segunda-feira (23) por causa da morte do agente de trânsito Diogo Nascimento.
O grupo saiu do Detran-PB em direção à sede do Tribunal de Justiça da Paraíba. Além de colegas de Diogo, participam da mobilização profissionais da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob-JP) e do Departamento de Estradas e Rodagens (DER).
Abaixo, a íntegra da nota de repúdio dos agentes de policiamento do Detran da Paraíba:
“Com relação ao caso do atropelamento do agente de policiamento do Detran-PB, Diogo Nascimento de Souza e tendo em vista que:
1) O acusado pelo atropelamento, Rodolpho Gonçalves Carlos da Silva, evadiu-se do local do crime sem prestar socorro a vitima, demonstrando intenção de fugir da responsabilidade pelo fato praticado;
2) O veículo envolvido no crime foi guardado e coberto no endereço domiciliar do acusado;
3) Os depoimentos dos envolvidos testemunham a conduta de Rodolpho em atropelar o agente;
4) A vítima encontra-se em estado neurológico gravíssimo, tendo sido aberto o protocolo de Morte Encefálica (ME), e não pode apresentar sua versão dos fatos;
5) O acusado faz parte de tradicional família paraibana com grande influência na região;
6) Conforme descrito no mandado emitido pela Juíza Andréa Arcoverde Cavalcanti Vaz, a prisão temporária “é medida de extrema relevância para elucidação dos fatos criminosos e apuração de sua participação no crime ora em apuração”;
7) O acusado pode, em liberdade, destruir provas, dificultando o esclarecimento do crime;
Os agentes de policiamento do Detran-PB vem a público repudiar de forma veemente a decisão do Des. Joás de Brito Pereira Filho, emitida na madrugada deste domingo (22), concedendo Habeas Corpus à Rodolpho Gonçalves Carlos da Silva, principal suspeito no caso do atropelamento do agente de policiamento Diogo Nascimento de Souza.
O agente encontrava-se em exercício da função, coordenando a equipe da Operação Lei Seca durante blitz realizada para garantir a segurança da população, quando foi brutalmente ferido, ao passar por cima dele o motorista que buscava escapar da abordagem.
Não se espera, de maneira alguma, o cerceamento do direito de defesa do acusado, mas também, não se espera nenhum grau de parcimônia por parte do poder judiciário com relação à conduta criminosa por ele praticada. Sendo assim, os agentes de policiamento do Detran-PB e todos os envolvidos direta e indiretamente com a Operação Lei Seca na Paraíba, clamam para que o caso seja tratado de maneira isonômica, e que o cidadão Rodolpho Gonçalves Carlos da Silva, independente de classe, cor, raça ou condição financeira, responda por suas condutas como estão sujeitos todos os cidadãos brasileiros.”