PM atira em manifestante à queima roupa em protesto contra a violência
Jovem que participava de ato contra a insegurança é alvejado à queima roupa em uma das cenas mais covardes do ano justamente por quem deveria oferecê-lo segurança. "É esse que vai levar um tiro primeiro", ordena capitão, antes de outro PM efetuar o disparo. Tudo foi registrado em vídeo
Um protesto contra a insegurança na cidade de Itambé na última sexta-feira (17), em Pernambuco, na rodovia PE-75, registrou uma das cenas mais covardes de 2017.
O jovem Edvaldo Alves da Silva, 19, era um dos manifestantes que pedia mais segurança por conta da onda de violência que inquieta o município e cidades vizinhas: assaltos a ônibus e residências, além de homicídios.
Edvaldo não sabia, mas sua reivindicação, justa e aguerrida, terminaria de maneira trágica: sairia do local na caçamba da picape S10 da Polícia Militar direto para a UTI de um hospital em Recife, capital do Estado.
O manifestante foi alvejado e arrastado por quem, em tese, deveria oferecê-lo segurança. Mesmo depois de ser alvo do disparo e enquanto perdia muito sangue, um PM ainda golpeia Edvaldo na cabeça.
Gravação
Diversos vídeos que registraram o crime cometido pelo policial estão no Youtube. A animosidade da situação fez com que várias pessoas sacassem os seus aparelhos de celular, como se pressentissem o que flagrariam a seguir.
Nas primeiras imagens, é possível observar policiais e civis discutindo. Uma mulher tenta convencer os manifestantes, que bloqueavam a rodovia PE-75, a se retirarem do local. Edvaldo é um dos que discorda da sugestão.
O capitão da PM então fala: “É esse quem vai levar um tiro primeiro?”. Imediatamente, outro policial surge com uma arma calibre 12 em mãos e efetua o disparo à queima-roupa.
Edvaldo é atingido na coxa e cai no chão, sangrando. O policial militar que deu a ordem para atirar ainda golpeia o jovem ensanguentado enquanto o arrasta para a viatura. Como lixo, Edvaldo é jogado na carroceria. Em seguida, o motorista arranca com o veículo.
Edvaldo deu entrada em estado grave na UTI do Hospital Miguel Arraes, em Paulista, município da região metropolitana do Recife. O tiro atingiu a veia femoral, o que fez com que ele perdesse muito sangue.
De acordo com o último boletim médico, Edvaldo respira com a ajuda de aparelhos. Como parte do tratamento, ele passou a fazer hemodiálise.
Crueldade
José Roberto da Silva, de 27 anos, irmão mais velho de Edvaldo, disse que a família pretende recorrer à Justiça. “Ainda não sei quando, vou esperar acalmar um pouco, agora o importante é a vida do meu irmão”.
Ele conta que Edvaldo mora com a mãe e está desempregado. Ajuda na renda domiciliar com bicos em marcenaria e pintura. “Primeiro protesto que ele foi. Meu irmão é uma ótima pessoa, não faz mal a ninguém, um cidadão de bem. Justiça é a primeira palavra que eu tenho para dizer”, afirmou a uma emissora de rádio local.
“Trataram meu irmão como um cachorro. Além de atirar, ainda o arrastaram e bateram na cara dele. Espancaram meu irmão. É muita crueldade”, desabafou o irmão, indignado. “Eu quero justiça. Quero que esse policial seja preso”, finaliza.
Vestidos de branco e com os dizeres ‘o tiro que atingiu o jovem, feriu nossa dignidade’, moradores de Itambé exibiram cartazes ao protestar contra a ação dos policiais na manhã da última segunda-feira.
Eles caminharam pelas ruas da cidade e disseram que o jovem baleado é muito querido por todos.
Investigação
“O Comando Geral da Polícia Militar abriu inquérito policial militar para apurar a conduta dos servidores, que foram retirados das funções de policiamento ostensivo até a apuração completa dos fatos”, diz uma nota divulgada pela PM de Pernambuco depois que o caso ganhou a mídia e os vídeos se espalharam pelas redes sociais.
A Secretaria de Defesa Social do Governo do Estado também lamentou o incidente e disse que o episódio está sendo apurado. “Já foram ouvidas testemunhas, tanto dos policiais militares quanto dos manifestantes que estavam no local”, diz a nota da SDS.
A Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) também acompanha o caso.
Capitão se pronuncia
Ramon Tadeu Silva Cazé é o capitão da PM que comandou a operação em Itambé. Em depoimento divulgado nesta sexta-feira (24), ele tentou justificar a ação do seu subordinado:
“Em virtude de tais circunstâncias, (o soldado) efetuou um disparo de advertência para o chão, o qual ricocheteou no asfalto e veio atingir de forma inesperada o popular”
O capitão Cazé é o mesmo que aparece nas imagens dizendo “É esse que vai levar o tiro primeiro?”, em referência a Edvaldo.
Outros policiais que participaram da operação também prestaram depoimento e afirmaram que os manifestantes “faziam uso de pedaços de madeira nas mãos, copos, garrafas e produtos inflamáveis”.
No entanto, nas imagens do protesto, viralizadas nas redes sociais, não se vê o uso destes artefatos e não há registros de outros integrantes do protesto segurando os materiais descritos pelos PMs.
VÍDEO (disparo a partir de 1m10s)