Quanto mal Michel Temer ainda pode fazer?
No governo Temer, o horror de ontem é uma etapa intermediária, jamais o fundo do poço. Não é nem que sempre pode piorar, como diz o clichê. É que sempre piora. A crítica é da escritora e jornalista Eliane Brum, uma das mais premiadas do Brasil
Confira abaixo trechos da coluna mais recente de Eliane Brum ao jornal El País:
Se o impeachment foi uma ruptura na medida em que tirou Dilma Rousseff e o PT do poder que haviam alcançado pelo voto, o governo Temer é uma continuidade bem piorada e representa a aceleração do desmonte de direitos que se iniciou quando PMDB, PT e o que há de mais nefasto no espectro partidário ainda se abraçavam pelos corredores do Planalto e do Congresso em nome de uma obscenidade que nomearam como “governabilidade”.
No Brasil nada é simples e muito menos binário, como apontam com tanta precisão as flechas dos indígenas. Apagar a memória, assim como as contradições, nunca nos levou a um país melhor.
Aqueles que se anunciam no presente como “novidade” dão show do velho autoritarismo ao chamar trabalhadores em greve de “vagabundos”
E assim chegamos ao que chamamos de presente. Um governo com 9% de aprovação e 8 ministros investigados pela Lava Jato, um presidente apontado pelo executivo de uma empreiteira como negociador de uma propina de 40 milhões de dólares – e cada dia mais um direito a menos. Diante deste cenário, na sexta-feira, 28 de abril, grande parte do Brasil parou em greve geral contra as reformas trabalhistas e da previdência. Um dos principais articuladores das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, o Movimento Brasil Livre (MBL), chamou os trabalhadores exercendo o seu direito legítimo de greve de “vagabundos”.
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), a cada dia mais presidenciável, também chamou os trabalhadores exercendo o seu direito constitucional de greve de “vagabundos”. Seu diligente colaborador, o prefeito regional de Pinheiros, Paulo Mathias, superou todas as expectativas ao enaltecer em vídeo um grupo de servidores que dormiu no serviço para não faltar ao trabalho com a paralisação do transporte. Em seguida, colocou todos os neurônios para trabalhar no dia da greve e revolucionou o pensamento lógico: “Sou a favor do direito à greve, mas não em dia de trabalho”.
Quando aqueles que se esforçam para se vender como “novidade” chamam trabalhador em greve de “vagabundo”, o discurso mais mofado e decrépito do autoritarismo, o “novo” já não disfarça o cheiro na prateleira. Porta-voz do governo no 28 de abril, o ministro-da-justiça-para-mim-e-meus-amigos-ruralistas, Osmar Serraglio, também invocou uma expressão do passado autoritário ao chamar a greve geral de “baderna generalizada”.
Mas sempre há o futuro logo ali, depois da curva. No domingo (30/4), pesquisa do DataFolha mostrou que Jair Bolsonaro, do PSC, o partido que é “dono da Funai”, disputa o segundo lugar na eleição presidencial de 2018 na preferência dos eleitores ansiosos por mudar o Brasil.
Bolsonaro não disfarça seu autoritarismo com nenhum nome photoshopado como “gestor”. É franco defensor da ditadura e dos torturadores, assim como homofóbico declarado. Réu por incitação ao crime de estupro, na mira do Ministério Público Federal por discriminação racial, ele também já anunciou que, se eleito, “não vai ter um centímetro demarcado para terra indígena ou quilombola”. Com os indígenas acontece primeiro, mas, não custa lembrar, “índio é nós”.
O que apontam as flechas dos indígenas?
As flechas dos indígenas apontam que no Brasil o passado não passa e o futuro já passou.