Luis Felipe Machado de Genaro
Violência 01/Jun/2017 às 00:11 COMENTÁRIOS
Violência

Violência à brasileira: um passo radical para o futuro

Luis Felipe Machado de Genaro Luis Felipe Machado de Genaro
Publicado em 01 Jun, 2017 às 00h11

A violência contra os menores se intensifica. Os que resistem são apontados como marginais e outsiders da única ordem que o mundo parece sustentar

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Foto: Andre Coelho

por Luís Felipe Machado de Genaro*

Em um de meus últimos artigos escritos para o Pragmatismo, “Brasil entre a inércia, o radicalismo e a transformação”, publicado no final do ano passado, ainda não vivíamos um processo tão turbulento e incerto como o atual. O Estado de Exceção ao Estado Democrático de Direito, com todas as suas particularidades, ainda dava os seus primeiros passos.

A violência por parte do Estado, violência legitimada e institucionalizada pelas classes dominantes, tida como justa e ordeira pelas forças sociais repressoras, violência histórica e permanente na sociedade brasileira, era tida como “pontual” em alguns “momentos críticos” no cotidiano das classes oprimidas – discurso um tanto forçado por parte da esquerda nacional, principalmente por aquela que esteve alçada aos postos mais altos do poder Executivo durante a última década.

Sabemos que a violência nas periferias, comunidades quilombolas, aldeias indígenas, assentamentos sem-terra e acampamentos sem-teto, entre massacres, assassinatos de lideranças, reintegrações forçadas e outros atestados de barbárie, foi sempre constante na história brasileira. Hoje, por motivos inúmeros que ainda precisarão de uma reflexão aprofundada, estes acontecimentos começaram a se tornar uma constante – e de uma constante, notas de rodapé para os grandes conglomerados de mídia, passando a não ter importância e dimensão verdadeiramente reconhecidas e deixando à mercê a opinião pública. De que importariam 10 camponeses sem-terra assassinados?

Nos tornamos desinformados e omissos perante um cenário de extinção dos que resistem – quando não somos descaradamente manipulados pela grande imprensa nacional, sempre parcial aos interesses dominantes. Em momentos como esses, a reflexão crítica e ativa sobre nossa história e atualidade atordoantes se torna obrigação moral e política.

Existem diversas conexões que poderiam ser feitas nesta conjuntura em frangalhos. Uma delas me salta aos olhos: o fato de que grupos minoritários, resistentes ao projeto neoliberal dominante, tenham sofrido revezes de forma veloz e brutal. A ascensão conservadora nas ruas, a reorganização da direita brasileira, a vociferação alienante nas redes sociais e a voz ecoante a lideranças fascistas, como Jair Bolsonaro e outros, alimentariam essa roda viva angustiante.

Acontecimentos assim não são novidades. O extermínio de negros pobres nas regiões periféricas é uma realidade histórica, assim como o genocídio indígena nas regiões e sertões mais remotos do país. O conflito no campo e a matança desenfreada de pequenos agricultores que se rebelam se arrastam há séculos. Estaríamos caminhando para uma repressão ainda mais categórica?

Em um futuro não muito distante, também não tão distante de um passado autoritário, não seriam sujeitos combativos e defensores das classes trabalhadoras e precarizadas, ou lideranças que empunham bandeiras libertárias as próximas vítimas de massacres e assassínios em massa, acusados de “terrorismo”? A criminalização dos movimentos insurgentes tende a recrudescer. O que fazer quando chegarmos a tal ponto? Já não estaríamos neste limiar?

O historiador marxista Eric Hobsbawm é bastante incisivo quando discute o conceito “violência” em um de seus ensaios. Para ele, “os que acreditam que toda violência é má por princípio não podem fazer qualquer distinção sistemática entre os diferentes tipos de violência na prática, nem perceber seus efeitos tanto naquele que a sofre como naquele que a emprega”.

Hobsbawm reconhece a multiface da violência – ela está presente em uma ocupação de um latifúndio no Mato Grosso do Sul pelos camponeses do MST, como está presente também na reintegração de posse deste mesmo latifúndio mediante as forças de segurança e repressão (sejam do Estado, ou do próprio latifundiário, usando de métodos tanto legais como ilegais na recuperação de seu hectare ocupado). A violência não é um conceito único, muito menos é catalisador de um grupo social apenas.

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Nada é mais difícil para um povo educado numa cultura liberal, com sua crença de que qualquer manifestação de violência é pior do que a não-violência”, afirma o historiador. Mas nesses “Brasís” que se entrecruzam, com menos liberais e mais pistoleiros e capangas, onde o passado e presente se atropelam, violência é nó bem atado pelas forças dominantes. A violência promovida pelos andares de cima ninguém se espanta. A hipocrisia inunda as redes e as ruas.

Se a política é a guerra por outros meios – por mais criticável que seja tal afirmação – chegou o momento de escolhermos um lado para guerrearmos: o lado dos explorados ou dos exploradores.

O Brasil vive momento ímpar, mas o mundo lá fora continua no mesmo trem desgovernado. A desigualdade social aumenta. A violência contra os menores se intensifica. Os que resistem são apontados como marginais e outsiders da única ordem que o mundo parece sustentar. Movimentos insurgentes e de resistência ao mercado evidenciam que o “fim da História” não passou de mais um discurso farsesco com propósitos políticos dominantes. Como nos ensinou Salvador Allende, “a História é nossa e a fazem os povos”.

Se as forças exploradas não radicalizarem discursos e usarem a violência a seu favor, táticas e estratégias de resistência contundentes e ousadas, deixaremos que permaneçam no pedestal os que sempre venceram e permanecem vencendo.

Para enfrentar o Brasil de Temer, uma extensa rede de comunicação entre as forças progressistas precisa ser reestabelecida, desde as centrais sindicais até as menores associações de bairro, dos grandes movimentos estudantis até os secundaristas do interior – panfletagem, reuniões, debates, tudo isso é importante. A política e a organização popular são os únicos instrumentos de transformação da realidade.

Em contrapartida, reflito, não estaria se tornando o campo da política uma arte macabra de gerir a catástrofe, o caos e a destruição, única e exclusivamente? Ou a esquerda brasileira luta de forma radical, no discurso e na ação, constrói um projeto de país, recomeçando os trabalhos de base ao lado do povo, dos marginalizados e dos trabalhadores do campo e da cidade, ou a resposta para a indagação é sim.

Estamos à beira da extinção – de direitos, corpos e mentes.

*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador, mestrando pela UFPR e colabora para Pragmatismo Político

Referência: HOBSBAWM, Eric. As regras da violência. In: Pessoas extraordinárias: resistência, rebeldia e jazz. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1998.

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