A reedição do dia da vergonha nacional
Ontem, na Câmara dos Deputados, triunfou a falta de vergonha dos políticos que, outrora, se levantavam como paladinos da ética e moralistas de plantão
Mailson Ramos*
Venceu na Câmara a organização criminosa que faz negociações espúrias; triunfou a falta de vergonha dos políticos que, outrora, se levantavam como paladinos da ética; superabundou a certeza de que retirar o governo do PT não era apenas uma questão de “luta contra a corrupção”, mas a manutenção de um esquema que deveria perdurar mesmo depois da queda de Dilma Rousseff.
Foi a reedição do dia da vergonha nacional. Daquele dia 17 de abril de 2016 em que, pelos pais, pelos filhos, pelas mães, deputados depuseram Dilma, sob o comando de um facínora como Eduardo Cunha.
Fica evidente que para aprovar as reformas da Previdência e Tributária, o governo terá que ir mais uma vez aos cofres públicos e favorecer deputados. Porque Michel Temer se mantém no poder graças às negociatas espúrias como a criação de cargos (cabides de empregos) e a liberação de verbas para emendas parlamentares.
No Brasil vive-se o fantástico fenômeno da abdução das panelas que outrora eram batidas nas varandas gourmets dos bairros nobres das cidades brasileiras quando a Dilma se pronunciava ou quando o seu governo obtinha alguma vitória.
Isso se chama hipocrisia.
Na ocasião do impeachment de Dilma, os bastiões da ética gritavam aos quatro ventos: “É a vontade popular”. Naquele momento interessava citar o povo. A vontade popular não foi citada ontem, mesmo sabendo os deputados que mais de 80% dos brasileiros queriam ver a denúncia de Temer de volta ao STF.
A “grande luta contra a corrupção” era para garantir a queda de Dilma e a manutenção dos privilégios da elite (política e social) em detrimento dos direitos das minorias e da classe trabalhadora.
O povo foi usado como massa de manobra para defender a defenestração de Dilma. Foi guiado por muitos daqueles que hoje usam tornozeleiras eletrônicas, estão presos ou encalacrados nos esquemas de corrupção. Era um grande esquema favorável à Lava Jato (mas da boca para fora). O que esta gente queria era assumir o poder e “estancar a sangria”.
O Ministério Público Federal (MPF) e o Supremo Tribunal Federal (STF) que se mostraram tão intransigentes contra os governos petistas acabaram vendo as suas forças minarem diante de deste governo ilegítimo que trama seus ardis nos porões dos palácios de Brasília.
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A imprensa hegemônica fala da corrupção de Temer com relativa distância. Como se ela jamais tivesse demonstrado demasiado entusiasmo com este governo; ainda se nega a criticar com veemência o clube dos corruptos, a organização criminosa que age de dentro do Palácio do Planalto, segundo as próprias conclusões do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Silenciar é coisa própria da imprensa nativa quando os interesses hegemônicos se precipitam.
Parece muito normal que um assessor do presidente da República ande com meio milhão de reais (propina) numa mala pelas madrugadas; muito normal que um corrupto como Joesley Batista diga que comprou dois juízes e ouve do presidente da República um sonoro “ótimo, ótimo”; no Brasil de Michel Temer é normal calar os aliados presos com propina.
O cinismo doentio se apossou do Brasil de tal modo que ninguém mais contesta o fato de estar num abismo, mas ouvindo o canto das sereias que dizem ‘saímos da crise’. Ontem foi mais um dia triste para o Brasil.
*Mailson Ramos é escritor, profissional de Relações Públicas e autor do blog Nossa Política. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político.