O discurso da austeridade
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Desde a assunção dos novos governadores, em 2015, e agravada com a efetivação do golpe, em agosto do ano passado, há, em todas as esferas, um discurso de austeridade financeira. Os novos prefeitos também adotaram esse método de administração.
No Rio Grande do Sul, há certo consenso de que o Estado está em crise há mais de quarenta anos. No entanto, passados dezenas de governantes, foi coincidentemente com um governo de direita que atrasos nos pagamentos de servidores começaram a ocorrer.
Servidores, esses, que são indiretamente e nas entrelinhas culpabilizados pela dita crise econômica. Ao lutarem por seus direitos, são acusados de pertencerem a corporações, como se professores que não ganham mais do que três salários mínimos fossem tão poderosos quanto magistrados, cujo só o pornográfico auxílio-moradia já é maior do que a média salarial do magistério gaúcho.
Nem preciso dizer que a tal instabilidade financeira virou subterfúgio pra volta de uma das mais tradicionais bandeiras do não-partido PMDB: as privatizações. Os grupos que se opõem às vendas são acusados de fazê-lo por pura e exclusiva ideologia. A direita nunca é ideológica. Seus atos e vontades são puro e exclusivo pragmatismo e praticidade.
Em Porto Alegre, o novo Prefeito, Nelson Marchezan Júnior, está brigando na Justiça pelo doravante sagrado direito de atrasar os salários dos servidores – afinal, são eles os culpados pela crise.
Em Cachoeirinha, o Prefeito de lá, que ganha o maior salário da função no Estado, R$ 27.000,00, mexeu no plano de carreira dos servidores – pra piorá-lo, é claro. Porém, segundos estimativas dalgum secretário ou empresa de assessoria, que as crises são mensuradas por estudos, isso seria pouco pra melhorar os números. Resolveu, então, cortar parte da verba da merenda escolar até o final do ano. A fome dos alunos deve aguardar as finanças se equilibrarem.
Na esfera nacional, uma das primeiras medidas do Presidente-Réu foi congelar os gastos públicos por vinte anos – excetuam-se as emendas parlamentares em épocas de votação de aceitação de denúncia do MP contra o Presidente da República -. Nesse corte entram saúde, educação, segurança, salários dos servidores – chega a ser redundância dizer -, e verba pra merenda escolar, entre outros.
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Definitivamente, a direita, que conseguiu novamente chegar ao poder no Brasil por via golpista no Governo Federal e pela democracia nas demais esferas – os motivos pra isso podem ser discutidos, mas inicia-se com o pensamento anti-PT – está se perdendo nas suas ações de cortar os investimentos e gastos com os mais pobres. Economizar dinheiro, sobretudo quando se trata do erário, é salutar e necessário.
Mas atrasar salários da parte mais baixa da folha, congelar investimentos básicos e deixar à fome estudantes não é reflexo da crise financeira. É falta de princípios e limites pra pôr em prática sua ideologia.
Os governos que aí estão deveriam ser mais austeros em seus discursos de austeridade financeira pura e simples.
*Delmar Bertuol é escritor, professor de história, membro da Academia Montenegrina de Letras e colaborou para Pragmatismo Político