Redação Pragmatismo
Política 23/Out/2017 às 17:38 COMENTÁRIOS
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O que o Brasil deveria aprender com os constitucionalistas soviéticos

Publicado em 23 Out, 2017 às 17h38
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Fábio de Oliveira Ribeiro, Jornal GGN

Viralizou na internet o vídeo de um Bispo católico pedindo aos fiéis para não sintonizar a TV na Rede Globo.

O argumento utilizado pelo clérigo para desautorizar a programação da empresa do clã Marinho é aparentemente convincente:

Nós católicos não deveríamos mais assistir a rede globo, porque a rede globo é um demônio dentro das nossas casas”.

Tenho sido um crítico mordaz da Rede Globo desde a época em que meus textos eram publicados no Observatório da Imprensa. Apesar disso, não me parece adequado comemorar a iniciativa do Bispo. Ele falou aos católicos utilizando argumentos religiosos. Nós vivemos num Estado laico e devemos falar ao conjunto da população utilizando argumentos racionais.

Ao ver o vídeo lembrei-me de uma regra implícita na nossa Constituição que se encontrava explícita na Constituição da União Soviética:

Art. 52 – É garantida aos cidadãos da URSS a liberdade de consciência, isto é o direito de professar qualquer religião ou de não professar nenhuma, a celebrar cultos religiosos ou a fazer propaganda do ateísmo. É proibido incitar à hostilidade e ao ódio por motivo de crenças religiosas.

Na URSS a Igreja é separada do Estado e a escola separada da Igreja.” (Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, edições trabalhistas, Rio de Janeiro, 1987, p.19)

A Rede Globo foi um dos principais vetores do anti-petismo. A irracionalidade deste discurso, que está assumindo características quase teológicas e envenenando até a distribuição de Justiça em nosso país, foi elevado à condição de programa político por Aécio Neves quando ele disputou a presidência. O anti-petismo cresceu e se tornou mais e mais virulento após a vitória de Dilma Rousseff. A análise desta modalidade discursiva pode ser uma chave importante para entender o fenômeno social que desaguou no golpe de estado jurídico-parlamentar de 2016.

Se ao discurso de ódio vomitado pela Rede Globo for contraposto um discurso semelhante, a situação do Brasil não vai melhorar. Muito pelo contrário, o mais provável é que a realidade se torne mais tóxica do que já está. Além disto, o clã Marinho não é a única fonte do anti-petismo.

O ódio contra nosso regime constitucional, contra as políticas sociais inclusivas do PT e contras as lideranças de esquerda tem sido diariamente espalhado nas redes sociais e nas rádios por pastores evangélicos como Malafaia. Ao votar em favor do impedimento o pastor Marco Feliciano chamou o PT de “partido das trevas”.

A crítica a Rede Globo deve ser feita, sem dúvida. Mas sempre com a utilização de argumentos racionais. Afinal, se levarmos em consideração a atuação da bancada evangélica durante o golpe de 2016 somos obrigados a concluir que a disputa política está sendo transformada numa guerra religiosa. Nesse contexto, é impossível dizer se a Rede Globo é inimiga dos católicos (como disse o Bispo) ou apenas um instrumento nas mãos dos inimigos e concorrentes do clã Marinho (os pastores evangélicos).

Nem teologia católica, nem teocracia evangélica. O que nós precisamos é defender e aprofundar a natureza laica do Estado brasileiro, sem o qual não haverá espaço político para o debate racional, para a Rede Globo, para uma internet livre de censura e até para a distribuição de uma Justiça que esteja acima das ideologias políticas e isenta de contaminação religiosa.

Foi por esta razão, aliás, que transcrevi a Constituição da antiga URSS. Exceto nos Bálcãs, o colapso do regime soviético não produziu guerras religiosas. Muito embora tenha se reinventado como defensora da cristandade, a Rússia é reconhecida pela tolerância religiosa e por seu pragmatismo internacional. Enquanto os norte-americanos instigam o terrorismo islâmico, os russos fazem o oposto. E neste caso, meus caros, o que foi bom para os soviéticos e russos (a sanção política contra a intolerância religiosa) certamente pode ser bom para os brasileiros.

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