Redação Pragmatismo
Saúde 07/Nov/2017 às 15:30 COMENTÁRIOS
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Benício, 9 anos, salvo pela maconha

Publicado em 07 Nov, 2017 às 15h30

Quando a maconha é uma saída para a vida. Conheça o caso de Benício, de 9 anos, autista e portador da Síndrome de Dravet - doença rara causada por uma mutação genética que gera um quadro de epilepsia grave

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Benício, autista e portador da Síndrome de Dravet (Foto: Lucas DAmbrosio)

por Leandro Barbosa do The Intercept, via RBA

Cheguei à casa do Benício, às 9h, no dia 11 de outubro, com o desafio de entender a sua linguagem e a sua maneira de ver o mundo para contar sua história. As melhores lembranças desse dia são o sorriso dele e os curtos passeios que fizemos, de mãos dadas.

Essas demonstrações de afeto são conquistas recentes do menino de 9 anos, autista e portador da Síndrome de Dravet – doença rara causada por uma mutação genética que gera um quadro de epilepsia grave. E só foram possíveis graças ao esforço da sua família e ao uso do canabidiol (CBD), extraído da cannabis, planta popularmente conhecida como maconha.

Benício teve sua primeira convulsão aos 5 meses. Foram 40 minutos sem que ninguém soubesse dizer o motivo dos espasmos, lutando contra o tempo para que o bebê sobrevivesse. Desse dia até os seus 6 anos, foram 48 internações.

Com 2 anos, o menino dizia “um, dois e já”, “mamãe” e “papai”. Meses mais tarde, Beni, como a sua família o chama, se calou. Sua linguagempassou a ser apenas de gestos que seu pai, Leandro Ramires, teve que aprender. É ele quem tem a guarda do menino.

Leandro conta que um momento marcante nessa trajetória de idas e vindas aos hospitais de Belo Horizonte foi em um dia de intensas crises epilépticas que levaram Beni a ter uma parada cardiorrespiratória de 12 minutos, deixando o garoto em coma por quase duas semanas.

Foi quando ele recebeu sua primeira extrema-unção, por ter ficado 12 dias sem responder a comando algum. O hospital me chamou para saber se eu gostaria de doar os órgãos. Ele recebeu a extrema-unção de manhã. À tarde, quando ele foi fazer o eletro[encefalograma] para saber se de fato ele estava vivo ou não, acordou como se nada tivesse acontecido. Ele continuou passando mal, chegando a tomar 25 comprimidos por dia. Mas, ainda assim, esse dia foi incrível!”, lembra o pai.

Leandro é médico cirurgião oncológico e mastologista, o que ele considera ser um dos motivos do filho ainda estar vivo depois de tantas internações. Ele conta que, durante o carnaval de 2012, Benício estava internado. Ligaram para Leandro porque não havia médico para puncionar um acesso venoso central no menino.

Eu estava muito preocupado, porque ele estava em crise, e eles me ligaram perguntando se eu conhecia algum cirurgião vascular. No fim das contas, não tinha ninguém pra pegar a veia. Eu mesmo fui pra lá e peguei uma jugular dele, numa das cenas médicas mais complicadas da minha vida. Depois que o acesso pegou, foi dada a medicação, parou a crise, ele foi entubado e entrou no respirador. Eu fui para o banheiro do hospital. Nossa! Eu tive que pedir outra roupa para ir embora. A tensão era tanta que eu chorava, vomitava, fazia tudo ao mesmo tempo”, conta.

Nos últimos 3 anos, só uma internação

Este cenário levou Leandro a buscar alternativas para amenizar o sofrimento do filho. Até chegar à maconha. O uso de substâncias derivadas da erva diminuiu drasticamente as internações: nos últimos três anos, Benício foi internado apenas uma vez, durante seis horas.

No início, as dificuldades para adquirir o canabidiol fizeram com que Leandro e muitas famílias no Brasil importassem o medicamento de maneira ilegal. Na época, a legislação não permitia o uso e a importação, tornando crime a aquisição de um remédio derivado de uma planta proibida no país.

A síndrome do Benício fez de seu pai um militante da causa canábica. Com a ajuda de outras pessoas que vivem situações semelhantes, o médico criou a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal – AMA+ME, em dezembro de 2014. Os principais objetivos são lutar pela mudança da atual política de drogas do país, implementar o cultivo coletivo para pacientes e produzir estudos científicos.

Em julho de 2016, a organização, em parceria com a empresa americana CBDRx, inaugurou no Brasil um estudo para entender melhor os efeitos do canabidiol sobre os sintomas provocados pelo Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A empresa fica em uma fazenda no estado americano do Colorado, e desenvolve produtos medicinais a partir da Cannabis Sativa. Através da clonagem de plantas, a CBDRx desenvolveu uma espécie de maconha com alto índice de canabinóides e baixo teor de THC (tetra-hidrocanabinol) – princípio psicoativo da maconha. Atualmente, o custo do frasco do extrato produzido por eles – 60 cápsulas de 50 mg de canabidiol – é de 300 dólares, aproximadamente R$ 1 mil, sem contar os valores do frete.

Pesquisa comprova melhoras

A pesquisa foi feita com 18 crianças. Quinze permaneceram até o fim do estudo: 13 do Pará, um de Brasília e Benício, de Belo Horizonte. Três tiveram o tratamento suspenso antes do primeiro mês, devido ao aumento da frequência e intensidade de estereotipias (comportamentos repetitivos), de crise psicocomportamentais e de distúrbios do sono, conforme apontam os resultados finais do estudo, ao qual The Intercept Brasil teve acesso exclusivo.

Durante nove meses, a empresa doou o óleo de cannabis para as crianças participantes. As remessas foram enviadas aos pais, que tinham a responsabilidade de observar os efeitos da substância e as reações de seus filhos, que também foram acompanhados pelos médicos parceiros da organização.

A partir do registro mensal das características e resultados da evolução de cada paciente, foi possível observar que 76,5% apresentaram melhora na hiperatividade e no déficit de atenção e concentração. Para 72,2%, houve redução dos comportamentos repetitivos e/ou agressivos. E ainda: em 69,2%, observou-se evolução no desenvolvimento motor; 50% ganharam mais autonomia na vida diária; 61,1% passaram a interagir e a se comunicar mais com as pessoas e o ambiente à sua volta; 72,2% apresentaram alguma evolução nos processos de aprendizagem; o sono de 85,7% melhorou; 64,3% conseguiram parar ou reduzir a medicação neuropsiquiátrica.

E o dado mais impressionante: 100% dos pacientes alcançaram um controle sustentável das convulsões – o que significa que o número de crises diminuiu em pelo menos 50% (em alguns casos, os pacientes simplesmente não tiveram mais nenhuma convulsão).

Como presidente da AMA+ME, Leandro afirma que “há necessidade premente de estimular estudos clínicos, científicos e metodológicos para se ter total noção desse benefício e quantificá-lo”.

Ele ainda explica que não existe um tratamento específico para o autismo: “O que precisa haver com o paciente são medidas socioeducativas, comportamentais e educacionais”. Os medicamentos tratam apenas os sintomas derivados do transtorno de que sofrem Benício e as outras 14 crianças. “O importante é que essas manifestações neuropsíquicas melhoram muito com a suplementação do extrato de cannabis rico em canabidiol. Essas crianças tiveram resultados incríveis que hoje a gente tem dificuldade de manter, porque isso se restringe a dinheiro”, lamenta.

Para Cassio Eduardo Ismael, representante da CBDRx no Brasil, os efeitos obtidos pelo estudo foram tão impressionantes que ele não descarta a possibilidade de a empresa investir em outras pesquisas similares no país. “Ainda tem muito a ser estudado sobre os efeitos do canabidiol, confesso que houve resultados que surpreenderam. Tem um caso de uma criança que voltou a falar!”, exemplifica.

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