9 dos 50 veículos mais influentes do Brasil são controlados por igrejas
A presença de igrejas no controle de veículos de comunicação no Brasil já pode ser medida. Dos 50 veículos de maior audiência ou capacidade de influenciar o público, ao menos 9 são controlados por lideranças religiosas cristãs, católicas ou evangélicas, revela a pesquisa “Media Ownership Monitor Brasil”
Isabella Macedo, Congresso em Foco
A presença de igrejas no controle de veículos de comunicação no Brasil já pode ser medida. Dos 50 veículos de maior audiência ou capacidade de influenciar o público, ao menos 9 são controlados por lideranças religiosas cristãs, católicas ou evangélicas, revela a pesquisa “Media Ownership Monitor Brasil”, desenvolvida em parceria pelas ONGs Repórteres sem Fronteiras e Intervozes. O estudo mostra quem controla a mídia no país a partir da avaliação de 11 redes de TV aberta e por assinatura, 17 jornais diários e revistas semanais, 10 portais e 12 redes de rádio.
A igreja com maior controle sobre veículos de comunicação é a Universal do Reino de Deus (IURD). Desde 1989 sob o domínio do bispo Edir Macedo, o Grupo Record é responsável pela RecordTV, pela RecordNews, pelo portal R7 e pelo jornal Correio do Povo. Além da Record, a Universal detém a rede de rádios Aleluia desde 1995.
A Igreja Católica aparece na pesquisa por meio de uma emissora de rádio e outra de televisão: a Rede Católica de Rádio (RCR) e a Rede Vida de TV. A primeira foi fundada em 1997 a partir da união de sete outras redes de rádio já existentes que pertenciam a instituições e leigos católicos. Já a Rede Vida, cuja concessão foi liberada em 1990, só começou a transmitir em 1995, sob gestão do Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã (Inbrac).
Outros dois grupos religiosos que aparecem entre os mais influentes ou de maior audiência são a Rede Gospel de televisão – controlada desde 1996 pela Igreja Apostólica Renascer em Cristo, do casal Estevam e Sônia Hernandes – e a Rede Novo Tempo de rádio, lançada pela Igreja Adventista do Sétimo Dia em 1989.
Entre esses nove veículos em poder de igrejas, cinco direcionam todo o seu conteúdo para a defesa dos valores de suas crenças: as redes de rádio Aleluia, Novo Tempo e Católica de Rádio e as emissoras de TV da Rede Gospel e da Rede Vida.
Grade religiosa
Mesmo entre os veículos classificados como comerciais, a religiosidade ocupa significativa parte da grade. Das seis redes comerciais de TV aberta analisadas pela pesquisa, apenas o SBT não apresenta conteúdo religioso em sua grade de programação. De acordo com estudo da Agência Nacional de Cinema (Ancine) de 2016, as TVs abertas do Brasil dedicam 21% de sua grade a programas religiosos.
A emissora campeã no tempo dedicado ao gênero é a Rede TV!, com 43%, do seu tempo destinado a programas religiosos. A RecordTV (21%), de Edir Macedo, a Band (16%), a TV Brasil (1,66%) e a Globo (0,58%) aparecem na sequência.
O estudo também aponta o estreitamento do vínculo entre as igrejas e a representação política. Muitos dos parlamentares evangélicos eleitos são vinculados aos grupos de comunicação de suas igrejas. Ou são apresentadores de programas populares ou participam do comando administrativo das emissoras.
Um dos coordenadores da pesquisa, André Pasti, do Intervozes, considera preocupante a concentração de veículos de comunicação no Brasil, assim como o avanço da influência religiosa na mídia. “Seja no impresso, seja no online, a gente começa a identificar um problema no cenário da concentração da mídia brasileira, que é a propriedade cruzada de meios de comunicação. Os mesmos grupos estão atuando em diversos tipos de mídia e controlando de diversas formas a informação que chega pra gente”, explica.
Outros veículos com menor audiência ou com circulação gratuita – que não fazem parte da pesquisa – também mostram o crescimento da participação religiosa no controle da mídia. O semanário Folha Universal, por exemplo, tem tiragem de 1,8 milhão de exemplares, volume muito superior ao de jornais diários, como a Folha de S.Paulo, cuja circulação diária é de 300 mil exemplares.
Proselitismo
A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, entende que o controle de emissoras por grupos religiosos vai na contramão da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir, em 2002, rádios comunitárias de fazerem proselitismo religioso. “No entanto, temos um sistema de concessão que permite que tenhamos uma grande mídia dominada por emissoras de caráter religioso”, afirma Deborah ao ressaltar a disparidade no tratamento entre os grandes grupos e as rádios comunitárias, que são fiscalizadas e punidas com maior rigor.
Subprocuradora-geral da República, ela observa que, no atual cenário, as religiões de matriz cristã se sobrepõem em prejuízo de outras crenças, como as de origem africana. Para Deborah e os coordenadores da pesquisa, a concentração da mídia nas mãos de grupos de interesses prejudica a democracia. Ela pretende ajuizar ações também contra políticos donos de emissoras de rádio e TV, prática vedada pela Constituição.
Veja o vídeo:
A presença crescente de programas religiosos em concessões públicas para veículos comerciais está na mira do Ministério Público, que já abriu investigação para apurar a venda de horários de programação por TVs e rádios para terceiros. Programas veiculados na RedeTV!, Record e Band são investigados pela prática de arrendamento.
A pesquisa feita pelo Intervozes e pela Repórteres Sem Fronteiras foi apresentada na última sexta-feira (2), no auditório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por André Pasti e Jonas Valente do Intervozes, o representante da Repórteres Sem Fronteiras na América Latina, Emmanuel Colombié e pela procuradora federal dos direitos do cidadão Deborah Duprat. O levantamento durou cerca de quatro meses, entre produção, análise e cruzamento de dados disponíveis. O estudo aponta quadros societários de empresas de mídia, parlamentares e donos de grupos de interesse econômico, político e religioso por trás desses veículos. O Brasil é um dos 22 países em que o levantamento foi realizado, o maior entre eles e onde o quadro geral é o pior cenário constatado. De acordo com os organizadores, o país apresentou indicadores alarmantes em todos os pontos analisados.