Ex-presidente do STF assume a defesa de Lula; na prática, o que muda?
A inclusão do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence na equipe de defesa de Lula deve ser interpretada no conceito de mudança na aplicação do código de processo penal
Joaquim de Carvalho, DCM
Em uma conferência estadual da advocacia em Santa Catarina, o juiz Alexandre Morais da Rosa recomendou aos profissionais que leiam novos livros para continuar atuando no direito. “Nosso processo penal mudou”, disse.
“Quanto mais informação qualificada você tiver dos jogadores, quanto mais você souber do jogo, da jogada, de uma jogada dominante, de uma jogada dominada, como é que se troca informação, como é que se negocia, você pode ter maior êxito. As regras antigas já não servem para nada. Vivemos um tempo muito difícil para a democracia”, acrescentou, para espanto dos presentes.
“Se você quiser continuar fazendo o processinho penal do cotidiano, tudo bem. Os livros servem. Se você quiser ampliar, uma das leituras possíveis é Teoria dos Jogos e Análise Econômica do Direito, e pensar fundamentalmente num modelo de gestão do processo, uma troca de informações, uma gestão bem diferenciada”, destacou.
A inclusão do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence na equipe de defesa de Lula deve ser interpretada no conceito de mudança na aplicação do código de processo penal. E Pertence, naturalmente, não será coadjuvante.
Cristiano Zanin, coordenador da defesa de Lula, fez uma defesa correta do ponto de vista técnico, exemplar, em fóruns que já emitiam sinais de que Lula estava condenado mesmo antes da apresentação da denúncia em power point. Sendo técnico, produzindo provas, recorrendo, esgotando os mecanismos de defesa e fazendo o enfrentamento em nome do direito, Zanin produziu um resultado político.
Ficou evidente a perseguição ao ex-presidente.
Agora, com uma atuação mais política por parte de Sepúlveda Pertence, no sentido específico da política que existe nos tribunais, Lula tem mais chance de fazer prevalecer o direito. É a Teoria dos Jogos na prática.
Pela teoria, popularizada pelo filme “Uma Mente Brilhante”, o resultado de um processo não depende apenas da escolha da estratégia, mas, fundamentalmente, de conhecer a escolha de outros indivíduos e buscar pontos em comum.
No caso de Lula, o x da questão é a eleição de 2018. Salvo os brasileiros que babam e leem O Antagonista, a prisão de Lula não é o desejo principal de seus adversários.
O que está em jogo é a participação dele no processo eleitoral. Se participar, ganha, e é isso que os adversários tentam evitar.
Merval Pereira, com sua oratória trôpega, deu a senha ontem, na Globonews, ao dizer que o nome de Lula não estará na urna eletrônica (como ele sabe?), fazendo eco ao que, horas antes, Luiz Fux disse, ao tomar posse na presidência do TRE. “Os fichas sujas estão fora do jogo democrático”, afirmou.
Lula é um sobrevivente. Como ele disse, superou a fome que matava crianças na região em que nasceu e viveu até os 5 anos de idade, em Caetés, em Pernambuco. Surgiu na vida pública como sindicalista e, habilidoso, usou e se deixou usar, com o objetivo muito claro de subir os degraus que levavam ao poder. Mas não o poder pelo poder, mas o poder que poderia transformar a vida de pessoas como ele tinha sido. E só olhar para as regiões mais pobres do Brasil e ver que isso aconteceu.
Em 1996, quando cobri o Fórum Social Mundial em Porto Alegre pela revista Veja, conversei com Lula sobre o balanço que ele fazia das greves do ABC, 18 anos antes. Ele admitiu que houve perda de emprego, com retaliação das empresas, e enfraquecimento econômico da região, naquele momento.
“Foi uma derrota econômica e uma vitória política”, afirmou. Com as greves, nasceu o PT e, goste-se ou não do partido, é inegável que as classes do andar de baixo subiram alguns degraus da escada de conquistas sociais desde então, mas, principalmente, a partir de 2003, quando ele assumiu a presidência.
Pertence, conhecendo a vontade dos outros indivíduos — no caso, ministros do STF e do STJ —, tem maior chance de livrar Lula da cadeia. E isso é positivo, porque permitirá a Lula continuar na luta que sempre travou, a de espalhar uma mensagem única, em defesa dos mais pobres, mensagem que, a rigor, é ele próprio.
Não creio que aceite trocar a liberdade pelo silêncio. Isso seria o mesmo que aceitar ser condenado à morte.
Ao concordar que Pertence participe da equipe de defesa, Lula segue na luta pela sobrevivência. Agora, nos tribunais superiores, com estratégica diferente, mas certo de que atingiu o objetivo com sua defesa tecnicamente firme diante de Sergio Moro e o TRF-4.
Com essa estratégia, se escancarou a parcialidade de setores do Judiciário e Pertence pode dizer, sem risco de errar, que Lula sofreu a maior perseguição desde Getúlio Vargas.
Lula pode ser candidato ou não — pelo movimento em curso, está difícil que seja. Mas, com certeza, não vai jogar a toalha e, seja lá o que o TSE decidir, Lula será a personalidade mais importante das eleições de 2018.
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