Juiz não autoriza prisão domiciliar e recém-nascido fica em cela suja com a mãe
Juiz vê 'alta periculosidade' e mantém mãe com recém-nascido em carceragem para presos do sexo masculino e sem mínimas condições de alimentação e de higiene. A mulher não tem passagem pela polícia
O caso de um bebê recém-nascido que, por decisão judicial, foi levado junto com a mãe para a cela de uma delegacia de São Paulo na última terça-feira (13) tem provocado diversas críticas.
Jéssica Monteiro, de 24 anos, tinha sido presa pela Polícia Militar por portar maconha. Como ela entrou em trabalho de parto um dia após ser presa, o juiz decidiu por manter a prisão e ela precisou voltar para a cela da delegacia com a criança após receber alta do hospital.
Jéssica entrou em trabalho de parto no domingo (11). Sob escolta, foi levada na companhia do advogado Paulo Henrique Guimarães Barbezan até o Hospital Municipal Inácio Proença de Gouveia e, em seguida, apresentada ao juiz Claudio Salvetti D’Angelo,
No termo da audiência de custódia, o juiz assinalou que foram “cumpridas as formalidades legais e respeitadas as garantias constitucionais” para manutenção da prisão de ambos os presos.
“Há prova de materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, bem como da finalidade de traficância”, escreveu o magistrado, que classificou o quadro como de “grande quantidade de entorpecentes e [os presos em flagrante] em situação de possível traficância”.
O juiz não avaliou os casos individualmente, ainda que Jéssica estivesse ausente, prestes a entrar em trabalho de parto. D’Angelo apontou as drogas apreendidas com a dupla como “fonte de desestabilização de relações familiares e sociais” e definiu: “é evidente que a grande quantidade e diversidade de entorpecente encontrada supõe a evidenciar serem, os averiguados, portadores de personalidade dotada de acentuada periculosidade”.
Cela sem higiene
Paulo Barbezan, advogado de Jéssica, questionou o que chamou de “desproporcionalidade da justiça” em relação à jovem.
“Jéssica é usuária de maconha, não é traficante. Acharam maconha no quintal da pensão e atribuíram a ela. Mas ela é ré primária, sem nenhuma outra passagem pela polícia, e eu comuniquei à custódia, quando ela foi presa, que estava quase em trabalho de parto”, disse o advogado de Jéssica.
“Participei da audiência sem ela, pleiteei o relaxamento da prisão, em um primeiro momento, e a concessão da prisão domiciliar, em um segundo, e isso foi ignorado. A promotora, que também está grávida, ter negado isso, me pareceu muito emblemático dessa desproporcionalidade com que o caso foi tratado”, criticou.
Barbezan afirmou ainda que a cela era pequena, sem condições mínimas de higiene para ela e para o recém-nascido.
A Secretaria Estadual de Administração Penitenciária informou, na noite de quarta-feira (14), que a presa “está em processo de transferência para Pavilhão Materno – Infantil, específico para mães e recém-nascidos”.
“A rotina diária das mães nestas unidades é voltada para o exercício da maternagem. Elas também possuem área de amamentação, creche, destinadas aos bebês a partir dos quatro meses”, informou a pasta.
Após a repercussão do caso, Jéssica deu entrada na Penitenciária Feminina ainda na noite de quarta.
Violações
Integrante do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana), o advogado Ariel de Castro Alves esteve na delegacia e conversou com Jéssica.
Ariel classificou as condições para a mãe e o bebê como de “flagrantes violações de direitos humanos”.
“Faremos um relatório sobre o caso para ser encaminhado à corregedoria do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo)”, disse.
“Por ela não ter sido custodiada em local adequado para ficar com a criança e sobre a não aplicação de prisão domiciliar, o que desrespeita a Lei de Execuções Penais, o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e o Estatuto da Primeira Infância”, enumerou.
“A jovem foi presa com pequena quantidade de drogas, é primária, tem bons antecedentes, tem um filho de 3 anos e o bebê recém nascido: requisitos suficientes para o direito à prisão domiciliar e a responder pelo crime em liberdade provisória”, complementou o advogado.
“Ainda mais grave é o fato de o ambiente da carceragem ser precário. É uma carceragem para presos do sexo masculino, ex-policiais, agentes penitenciários, seguranças. São presos que não podem ser mantidos em prisões comuns”, concluiu Alves.