Redação Pragmatismo
Juristas 28/Fev/2018 às 23:27 COMENTÁRIOS
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“Filha, você é uma advogada que está começando agora e se queimou comigo”

Publicado em 28 Fev, 2018 às 23h27

“Minha filha, você é uma advogada que está começando agora e se queimou comigo”, esbraveja Juiz, em tom de ameaça. Magistrado ainda chamou a advogada de desqualificada, imatura e ingênua em processo de violência infantil

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Kalleo Coura, Jota

Uma advogada, minha filha, que se envolve emocionalmente no processo é uma advogada desqualificada. O advogado dá uma assessoria técnica e somente. Você se queimou comigo. Lamento dizer, você está começando agora… se queimou comigo”. “Como é que a OAB dá um título a uma pessoa que não está qualificada para exercer a profissão?”.

Foi desta maneira que o juiz Joaquim Solón Mota Junior, da 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, se dirigiu à advogada Sabrina Veras, durante uma audiência.

Desde o dia 23 de novembro do ano passado, a advogada havia juntado num processo um pedido de tutela de urgência para que duas crianças que sofriam violência da mãe tivessem a guarda transferida para o pai. Mas, sempre que procurava o juiz, ela diz que era informada de que ele estava ocupado. Em janeiro, contudo, uma das crianças morreu, antes que o juiz avaliasse o caso.

Segundo a advogada, ao procurar o magistrado para pedir celeridade no caso, ela “sempre era informada que o senhor estava ocupado, tanto que chega um tal dia que eu vim e esperaria o dia inteiro”. Ao narrar o caso ao magistrado, chegou a chorar ao relembrar a morte de uma das garotas. “Isso me tocou muito, se não toca outras pessoas, não sei”, disse chorando.

Na última quinta-feira, o magistrado repreendeu a advogada ao tomar conhecimento de que ela estaria responsabilizando a equipe da 2ª Vara da Família pela morte da criança. Ao ouvir da advogada que a irmã de quatro anos havia gravado um vídeo dizendo que não queria mais ficar com mãe, o juiz respondeu: “Uma criança de quatro anos tem discernimento? Vai interferir num posicionamento de um juiz?”.

O magistrado, então, deu um recado à advogada durante a audiência:

Você tem idade de ser minha filha e não desmentiu a versão que ela tinha dito aqui de que você saiu propagando aí que elas tinham matado a criança. Isso é um ato absolutamente irresponsável, além de criminal. Na hora que elas me contaram isso, eu mandei as duas ir registrar uma ocorrência na delegacia e abrir um processo contra você. Esse favor você vai ficar devendo a elas a vida toda, não tem como. Qual é o conselho que eu dou a você? Uma advogada, minha filha, que se envolve emocionalmente no processo é uma advogada desqualificada. O advogado dá uma assessoria técnica e somente. Você se queimou comigo. Lamento dizer, você está começando agora… se queimou comigo. E vai se queimar com tantos quanto eu fale essa história. Não é assim que se trabalha. A gente tem que ter maturidade para agir como profissional, ser técnico, agir com polidez, com educação, como seu colega e sua colega agiram durante toda audiência. Então, só queria advertir a você: eu não vou mais permitir da sua parte que trate mal alguma assessora minha ou alguém da 2ª vara. Porque aí sou eu que vou levar o caso par aa OAB. Está entendendo? Como é que a OAB dá um título a uma pessoa que não está qualificada para exercer a profissão? Então era isso que eu queria dizer a você, não ia dizer na frente do povo, mas queria dizer a você. Não continue assim porque você vai prejudicar a sua profissão. É um conselho que eu dou a você. Eu vou atribuir à sua imaturidade, à sua ingenuidade, à sua pouca vivência da prática, mas sair propagando que passoa A e B matou outra… Eu acho isso muito sério. Eu não teria deixado por menos. E esse favor a senhora vai ficar devendo à doutora Lidiane e à doutora Milena, tá certo?”.

A OAB-CE afirmou vai requerer providências junto ao Conselho Nacional de Justiça e à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado para apurar os fatos e tomar medidas por justiça e evitar novas afrontas aos advogados cearenses.

A Associação Cearense de Magistrados (ACM) apoiou o juiz e disse ser “inadmissível tornar pública conversa que trata de um processo que corre em segredo de justiça, violando a própria lei”.

A nota de repúdio da OAB-CE

A Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará, por meio de seu Conselho Seccional, repudia a atitude desrespeitosa e constrangedora do magistrado Joaquim Solón Mota Junior, da 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, que agrediu com termos ofensivos uma advogada no exercício de sua profissão, na tarde da última quarta-feira (21).

A Constituição Federal prevê o direito de acesso ao Judiciário, bem como a necessidade da advocacia para a defesa do jurisdicionado. As ofensas proferidas pelo magistrado procuraram desqualificar o trabalho desenvolvido pela advogada, visando intimidá-la para ocultar a ausência de agilidade da análise de pedidos de tutela jurisdicional de urgência, que permaneceram inertes na Secretaria da Vara, a propósito da morosidade desta.

A advogada foi censurada pelo magistrado perante as partes do processo em que atuava e, posteriormente, diante de advogados e membros da Defensoria Pública, após a realização de audiência. Uma situação constrangedora não só para ela, mas para todos os operadores do direito presentes. Uma afronta às prerrogativas advocatícias e falta de zelo do magistrado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, já que, como pôde ser conferido em áudio gravado pela advogada, a postura do juiz foi, de fato, vergonhosa.

A OAB atua e continuará a atuar na defesa intransigente das prerrogativas da advocacia, baseada no diálogo e no bom senso, em homenagem à inexistência de hierarquia ou subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratarem-se com consideração e respeito recíprocos. Desta forma, não se esquivará de adotar as medidas judiciais e/ou administrativas necessárias para garantir o livre exercício profissional.

O mesmo se estende à garantia de que nenhum membro da advocacia seja constrangido por conta de sua atuação profissional em defesa dos interesses de seus constituintes, concretizando assim o Acesso à Justiça.

A OAB Ceará afirma, ainda, que está requerendo providências junto ao Conselho Nacional de Justiça e à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado no sentido de apurar os fatos e tomar medidas por justiça e coação de novas afrontas aos advogados cearenses.

A nota de apoio da ACM

A Associação Cearense de Magistrados (ACM) manifesta apoio ao juiz da 2ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza, Joaquim Solón Mota Junior; ao tempo em que repudia, veementemente, a conduta da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB-CE), que divulgou nota pública, em meio escrito e na mídia social, numa campanha acusatória e difamatória contra o mencionado magistrado.

A entidade esclarece que o fato noticiado envolve advogada descontente com o trâmite processual legal, tratando-se de circunstância inaceitável, uma vez que afronta a independência judicial da magistratura, principalmente quando atinge diretamente um juiz que, em 2017, teve produtividade bem acima da média nacional.

Ressalta-se que a gravação da conversa demonstra claramente que a advogada Sabrina Veras imputou aos servidores da unidade judiciária, de forma inconsequente, o falecimento de uma criança, o que ensejou a repreensão do magistrado.

É inadmissível tornar pública conversa que trata de um processo que corre em segredo de justiça, violando a própria lei.

Por fim, a ACM ratifica sua postura de defesa aguerrida do livre trabalho dos juízes e da autonomia judicial, como primordiais à missão da magistratura de aplicar as leis e entregar justiça à sociedade.

Fortaleza, 24 de fevereiro de 2018

Ricardo Alexandre da Silva Costa
Presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM)

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