A intervenção militar no México foi um fracasso e deveria servir de exemplo para o Rio
Está claro que o governo brasileiro não considerou o fracasso da intervenção militar no México antes de autorizar a medida no Rio de Janeiro. Há onze anos, militares foram convocados para controlar a segurança no país da América Central. Houve 200 mil mortos, 23 mil desaparecidos e todo tipo de violação aos direitos humanos. O crime organizado vai muito bem, obrigado
Cecilia Ballesteros, El País
Quando o México acordou, os traficantes e o Exército nas ruas continuavam lá. Quase onze anos após Felipe Calderón decidir em seu décimo dia como presidente, em 10 de dezembro de 2006, enviar 6.500 soldados a sua Michoacán natal para sufocar a violência e a impunidade, o balanço da chamada “guerra contra o tráfico” não pode ser mais desalentador. Quase 200.000 mortos, 23.000 desaparecidos, numerosas denúncias por violações dos direitos humanos, casos emblemáticos como os 43 estudantes de Ayotzinapa desaparecidos há quatro anos, o mês de janeiro de 2018 mais violento desde 1991 com mais de 2.000 mortos e cartéis da droga cada vez mais fragmentados e incontroláveis que todos os dias mancham de sangue a geografia mexicana.
A controversa decisão de Calderón, um dos presidentes mais impopulares a sentar-se na cadeira da águia, e na qual muitos viram uma tentativa de se legitimar no poder após uma eleição apertada que venceu por poucos votos, foi como uma pedrada em uma colmeia cujas picadas mortais chegaram a toda a sociedade mexicana. Durante dois meses, quase 20.000 soldados foram recebidos como heróis por uma população cansada de violência e de massacres desde 2005 e de forças de segurança corruptas. O sonho logo acabou: abusos dos militares, que aumentaram em 600% entre 2003 e 2013 de acordo com organizações como a Anistia Internacional, falta de preparação e de um marco legal, efetivos reduzidos para territórios grandes, população rural desalojada e erupção dos chamados grupos de autodefesa em Guerrero, Oaxaca e Michoacán, no sul do país, na realidade, pessoas dispostas a fazer justiça com suas próprias mãos, muitas vezes cumprindo ordens dos traficantes.
O veneno contaminou os seis anos de mandato de Enrique Peña Nieto, do PRI, que ao assumir prometeu mudar essa estratégia, fracassada segundo todos os parâmetros, mas cuja recente e polêmica Lei de Segurança, agora na Suprema Corte de Justiça, questionada por várias ONGs, apesar de pretender dar um respaldo jurídico à ação do militares, causou um profundo mal-estar no interior das Forças Armadas que são enviadas para lutar uma guerra assimétrica para a qual não estão preparadas. Os diferentes candidatos às eleições presidenciais de 1 de julho ainda não se pronunciaram sobre o assunto por imperativo legal, mas o favorito, Andrés Manuel López Obrador, do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) insinuou uma anistia aos chefes do narcotráfico que causou incômodo.
A insegurança se transformou em uma obsessão aos mexicanos que veem como, apesar da mobilização de mais de 50.000 soldados em suas cidades, a violência continua e penetra em antigos santuários de tranquilidade como a Cidade do México e as regiões turísticas de Cancún e Los Cabos onde já é comum ver tanques e turistas. O Governo de Peña Nieto se orgulha de ter prendido 101 dos 122 chefes mais procurados, entre eles, ano passado, o famoso Joaquín El Chapo Guzmán, chefe do poderoso Cartel de Sinaloa, agora preso nos Estados Unidos após várias fugas e recapturas. “Missão cumprida”, publicou à época o presidente em sua conta no Twitter. Mas como aconteceu com George W. Bush no Iraque, os números e a realidade desmentem o presidente.
De fato, muitos ‘think thanks” classificam o México como um dos países mais mortíferos do mundo, também para a imprensa (12 jornalistas mortos somente em 2017, números comparáveis aos da Síria), ao que é preciso acrescentar 63.000 mortos em seus três primeiros anos de mandato (50% a mais do que no mesmo período de Calderón). Enquanto isso, a droga continua fluindo livremente aos Estados Unidos e a estratégia seguida pelo Gabinete de Peña de atacar os cartéis e fragmentá-los, mais do que enfraquecê-los, voltou a agitar a colmeia, com grupos cada vez mais autônomos e, portanto, menos manejáveis e previsíveis. Essa é a razão pela qual muitos no México acreditam que a melhor guerra contra as drogas é fazer as pazes com os chefes do tráfico e deixar seu lucrativo negócio como está, como acontecia nos tempos do velho PRI. Porque, uma vez que você coloca o Exército nas ruas, quem o devolve aos quartéis?
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